O Capim / Carlos M. Teixeira

Aurélio
Plantas invasoras, ervas más, plantas daninhas, plantas silvestres, plantas ruderais, inços, mato, e juquira são alguns dos sinônimos das chamadas “ervas daninhas”, as quais incluem os capins. Capim, por sua vez, é a designação genérica das gramíneas silvestres e palavra que tem origem no tupi (ka+píi, ou “folha delgada”). São eles vários: capim barba-de-bode, capim-açu, capim-agreste, capim-amonjeaba, capim-amargoso, capim-azul, capim-balça, capim-bambu, capimpuba, capim-bobó, capim-branco, capim-catingueiro, capim-cheiroso, capim-de-burro, capim-de-cheiro, capim-do-pará, capim-elefante, capim-flecha, capim-gordura, capim-guiné, capim-jaraguá, capim-limão, capim-marmelada, capim-membeca, capim-mimoso, capim-sapé, capim-trapoeraba, etc. A maioria dessas espécies tem a inflorescência em espigas, as folhas lineares, agudas e recurvadas, a haste filiforme, e a ddfsdfsdf sdf sdf sdf sdf . Os capins são indesejados, invasores, forrageiros e provavelmente constituem a maior parte da área verde das cidades. São arrancados por jardineiros, coletados por lixeiros, queimados por incendiários e odiados por paisagistas.

Periplanetas
Muitos dos capins são originários da Europa ou da Ásia e não do Brasil: apesar de não possuírem meios próprios de locomoção, as sementes dos capins são viajantes eficientíssimos. Graças a esse atributo, os capins cruzaram não apenas regiões e países mas também todos os mares e oceanos, conquistando os sete continentes numa colonização de ambição planetária. [Como exemplo, o capim-macho (Ischaemum rugosum) e o capim-camalote (Rottboelia exaltata), grandes inimigos da agricultura, foram introduzidos no Brasil através da importação de sementes genéticas de arroz. (Curiosamente, o homem, principal inimigo dos capins, é também seu principal vetor).

Rizomas
Propagam-se por meios vegetativos sexuais, sendo sua reprodução nunca assexuada. Alguns capins propagam-se por meio de rizomas, outros por estolões ou por tubérculos, enquanto outros ainda o fazem por dois desses órgãos ao mesmo tempo.

Humanizadores
A vontade idealizada pelos arquitetos raramente se torna realidade. A ordem sempre é negada por acidentes e acasos que fogem do controle dos planejadores. “Puxados”, infiltrações, atalhos, subversões de uso etc. pavimentam o caminho das coisas involuntárias, sendo elas nem sempre prejudiciais ao projeto. Estas são as coisas que nos falam sobre o “crescimento” de um edifício ou de um desenho urbano, e sobretudo das coisas que acontecem após a fase de implementação. Um projeto, entretanto, sempre será artificial. Ele não nasce, ele é concebido por um indivíduo. Talvez aceitar o caráter inorgânico da arquitetura seja o mesmo que aceitar a colaboração das coisas orgânicas, tomando partido do que é inesperado, do que é discutível ou do que é perigoso. Na contramão de todas as apologias do determinado e do previsível, poderíamos aceitar um espaço urbano ou um edifício assim como ele está, para depois perguntar, parafraseando Kahn, “o que ele quer ser”. Patrocinando sua evolução, testando sua adaptabilidade e incentivando sua abertura.

Ruínas
Qualquer ruína é mais misteriosa que um edifício bem conservado, assim como determinadas arquiteturas ficam bem melhor depois de solapadas pela condição de construção que não merecia persistir. Os capins, juntamente com o desgaste dos pisos, os muros envelhecidos, as paredes com tons já esmaecidos, a ferrugem e demais resquícios da passagem do tempo são marcas que podem enriquecer e humanizar mesmo a mais desumana das arquiteturas, mesmo a mais inóspita das cidades. Dificilmente um projeto leva em consideração o que o tempo pode trazer de bom para ele, e é exatamente por isso que os arquitetos preferem fotografar seus edifícios quando recém-inaugurados, de preferência sem a presença de qualquer ser humano. 

Cinza
Os capins são o verde, mas um verde considerado ainda mais cinza que o asfalto. São tidos como (e realmente são) uma erva ainda mais daninha do que qualquer processo de urbanização descontrolada. Anti-estéticos, transformam toda paisagem árida das calçadas e lotes desmatados em uma única e uniforme espécie de pasto urbano sem utilidade, mas certamente menos agressiva. Insistentes, voltam a atacar em todos os canteiros não muito bem mantidos, não importando qual espécie ali estava anteriormente.

Default
Os capins são as áreas verdes que se tornaram verdes por default. Eles são de fácil remoção, nascem em qualquer solo (ou mesmo sobre o “cimentado”) e dispensam qualquer tipo de manutenção. Entretanto, é importante notar que, apesar de atuarem por default em qualquer lugar, os capins formavam a mata nativa da região de várias cidades. Brasília, Belo Horizonte, Ribeirão Preto e Corumbá, por exemplo, foram construídas sobre capins (antes entremeados por umas poucas árvores de tronco retorcido).

Ineficientes e eficientes
Colaborando para a ideia de lugares “espontâneos” e contrariando a utilização induzida dos espaços; oferecendo liberdade de uso e patrocinando a mudança, os capins são as áreas não-produtivas da cidade que teimam contra sua domesticação, apesar de, paradoxalmente, sempre estarem abertos à ideia de espaço “eficiente”.

Darwinismo

A grande habilidade dos capins quanto a sobrevivência está na produção de sementes em escala, na facilidade de dispersão e grande longevidade destas sementes e, principalmente, na grande agressividade competitiva. Assim, os capins sabem aproveitar melhor os elementos vitais disponíveis tais como água e luz e conseguem acumular em seus tecidos quantidades muito maiores de nutrientes que as plantas cultivadas (o conteúdo médio dos capins é de aproximadamente duas vezes mais nitrogênio, 1.6 vezes mais fósforo, 3.5 vezes mais potássio, 7.6 vezes mais cálcio e 3.3 vezes mais magnésio que as plantas cultivadas em geral). Enquanto a maioria das plantas cultivadas não produz mais que algumas dezenas de sementes por indivíduo, um único exemplar de capim pode produzir centenas de milhares de sementes. Certos capins, como o capim-carrapicho e o carrapicho-de-carneiro, possuem sementes dotadas de pequenos ganchos facilmente aderentes à qualquer animal que entre em contato, o que facilita enormemente o processo de dispersão da planta. Além disso, as sementes de capins geralmente não germinam logo após sua maturação, vindo a fazê-la muitos e muitos anos mais tarde devido à faculdade de “hibernação temporária” da semente. Assim como um vírus, uma semente de capim pode ficar anos e anos na espreita, pacientemente à espera de uma oportunidade para vingar sua espécie.

Dados I
Na taxa de área verde por habitante das secretarias municipais do meio-ambiente, os capins não são computados, fato que deturpa a taxa real e acentua ainda mais o déficit de verde urbano por habitante. Na verdade, as cidades não são tão cinzas como nos fazem crer as estatísticas. A quantidade de oxigênio liberada por 10 touceiras de capim-gordura pode ser comparada à de um ipê amarelo adulto, por exemplo. Dado que eles representam (especulativamente) 40% da clorofila urbana, então eles produzem 40% do oxigênio do verde urbano, o que é uma percentagem nada desprezível. Devemos a qualidade de nosso micro clima urbano, feliz ou infelizmente, aos capins.

Dados II

Uma outra comparação entre a área das florestas e a área das terras cultivadas também nos diz que a Terra é mais verde do que afirmam certos dados. A área de florestas do planeta é de 3,442 Mha (milhões de hectares), sendo que metade desta área está concentrada em quatro países – Brasil, Rússia, Canadá e Estados Unidos. Porém, se computarmos a agricultura, a área verde sobe para 5,120 Mha. Isso não incluindo os prados, as savanas e o cerrado (e tampouco nossos capins!!!). Podemos concluir que a verdadeira “área verde da Terra” com certeza é um número infinitamente maior e mais reconfortante que todas as estatísticas disponíveis.

Kyoto
O sequestro de gás carbono, que mais cedo ou mais tarde será comercializado com ou sem a ratificação do Protocolo de Kyoto, também pode ser usado como uma defesa para os capins. Nesse sentido, eles são ainda mais importantes que as florestas existentes. Ora, é sabido que uma floresta adulta têm seu consumo e produção de gás carbônico equilibrados. Já o patrocínio de novos capins urbanos, não: eles são novas plantas, e portanto novos agentes sequestradores de carbono que estarão colaborando para a redução do efeito estufa planetário.

Pecuária

Alhures, capins servem de alimento para os mamíferos herbívoras e onívoros, para insetos e aves. Não precisam nem de muito sol nem de muita sombra, nem de muita terra nem de muita água, e convivem bem com (ou aniquilam) qualquer outra espécie vegetal. São largamente utilizados como alimento para os bovinos, mas estes requerem uma densidade media de 1.000 m²/rés, taxa esta de baixíssima densidade e aquém de qualquer parâmetro de ocupação urbana. Na verdade, apesar de muito cultivado no campo, o capim é sempre evitado nas cidades.

Naturezas mortas
Os capins estão nas áreas públicas residuais – lugares que funcionam como compensações para um crescimento urbano descontrolado –, ficando abandonados à deriva, à dinâmica da “natureza urbana” depois de intervenções radicais como viadutos, trevos e pontes.

Entropia

Segundo a lei da termodinâmica, qualquer sistema isolado tende a deslizar para um estado de crescente desordem – e nunca para o estado de ordem. Divida uma piscina ao meio com alguma barreira, encha uma metade com água e a outra com tinta, retire a barreira e, pelo movimento aleatório que sucederá, tinta e água acabarão por se misturar. A mistura nunca volta atrás, água e tinta para sempre permanecerão misturadas. Conhecido por entropia, esse conceito é a principal característica dos capins. Ele enxerga a desorganização como uma tendência inequívoca de um sistema: o abandono da infra-estrutura urbana dá vez à entropia, ou seja, a manutenção e a ordem podem ser vistas como reações contra a entropia latente das coisas.

Menos é mais
Apesar disso, alguns abandonos podem ser incorporados pelo projeto. Um paisagismo que incorpora o capim é aquele que privilegia um encontro direto entre os usuários e a natureza. Um encontro que não procura uma disposição arcadiana das plantas, como nos jardins onde não podemos caminhar ou tocar nas plantas, mas sim a disposição com algo a menos: menos barreiras, menos perfeições, menos manutenção, menos composições, menos desenho – e talvez mais abandono.

Des-natural
Os paisagistas são profissionais que levam as transformações da paisagem a sério e se enxergam como agentes culturais capazes de dar significado cultural ao seu ofício. E realmente são. Mas o certo é que hoje, a natureza urbana – a vegetação urbana composta por biótopos típicos dos vazios da cidade e seus lotes baldios – é uma reserva ambiental indiscutível, principalmente nos países onde o clima favorece o alastramento rápido de capins. Burle Marx foi um paisagista-biólogo que catalogou as plantas tropicais do Brasil com maestria, usando-as como ponto de partida para fazer paisagens incrivelmente plásticas e des-naturais. Mas o potencial dos tempos atuais talvez esteja mais perto: não só nos confins da Amazônia e suas vitórias-régias; não apenas nos parques ingleses tão lindos (porque têm tapetes de gramíneas entre seus clusters de árvores e arbustos); mas também no quintal do vizinho, na estrada largada, no cacha prego, num bairro longe, ou aí ou aqui.

Trepadeiras sine quae non

Uma consideração, mínima que seja, pelo potencial do paisagismo já serviria para contra-balancear o aspecto da arquitetura medíocre (incluindo aqui certos edifícios considerados “Históricos”). Como disse o arquiteto Ricardo Lana, as prefeituras deveriam aprovar os projetos de arquitetura com uma condição: vasos e vasos de trepadeiras e mais trepadeiras deveriam fazer das fachadas planos para a proliferação desta planta. Está aqui então uma condição sine quae non para a construção de prédios medíocres: que eles terminem dominados por trepadeiras e/ou capins, exatamente como acontece no final do conto infantil “O Menino do Dedo Verde”. Como antídoto contra a mediocridade arquitetônica das cidades, a mediocridade des-natural dos capins.

Fonte: Vazio S/A.

Sobre este autor
Cita: Carlos M. Teixeira. "O Capim / Carlos M. Teixeira" 27 Jun 2013. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-119092/o-capim-slash-carlos-m-teixeira> ISSN 0719-8906

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